sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Evergreen

Entre cigarros e bebidas, componho essas frases um tanto tortas no papel. A leve embriaguez não me permite atenção total, a fumaça me dispersa... fujo de qualquer organização e completo meu vazio nas distrações, no que não me deixa focalizar e refletir. Me esforço, bebo mais, fumo mais, porém tudo se faz espelho sujo, envolto por uma grossa neblina que, de repente, se dissolve, some, torna a imagem o mais limpa possível. Se fechar os olhos fosse uma solução... mas o que vejo fica ainda mais nítido quando só minhas memórias atuam.

Bem ali, o reflexo se configura, quase deixa o mundo por trás da porta do guarda-roupa e me faz pensar que tudo está bem outra vez. O quarto muito bem arrumado, uma colcha verde sobre a larga cama. Ah, como ela gostava de verde! Os lençóis, as toalhas, bibelôs, presilhas, jóias, tudo tinha algum verde. Em nosso primeiro jantar, restaurante muito fino, fiz questão, ela usou um vestido longo de veludo verde musgo - bendito tecido, deslizava sobre seu corpo a cada passo dado, oferecendo-me as curvas da cintura e dos quadris, a forma dos seios, o resvalar das pernas. Céus, é como se ela estivesse aqui, agora! Como se eu pudesse respirar tão fundo que a fumaça se transformasse em lavanda, perfume que me deixava perdido em seu pescoço; como se minhas mãos, que agora tocam o papel, tocassem aqueles longos cabelos, desfazendo qualquer penteado para deixá-los livres, pendendo conforme os desmandos do vento. Nesses momentos, meu corpo já não me responde, acredita na ilusão e se manifesta - é aí que mora meu sofrer.

Saio pela cidade à noite, frequento os piores bares e cafés, vejo os tipos mais deploráveis e me destôo de todos eles. Visto-me muito bem, como sempre fiz, caminho como um nobre sobre os restos da plebe e, muito facilmente, atraio os olhares que tanto desejo. Minto, não desejo - preciso. Não me demoro muito até convencer uma mulher qualquer a sair por aí, lugar que não seja meu lar, o lar eterno de minha amada. Não perco mais tempo em conhecê-las, saber o nome, idade, onde vivem, o que querem. Perco minha razão levando-nas para cama, depois de algum cigarro e bebida. Apago facilmente os rostos, os cheiros, as texturas de todas elas, tanto por não terem a menor importância, tanto porque fecho os olhos. No repousar das pálpebras, encontro minha bela, só minha, linda como sempre foi, seu rosto, seu cheiro, sua textura. Volto a acariciar sua face, beijar seus lábios vermelhos e lânguidos, sua pele lisa e translúcida, tomá-la como minha e torná-la minha, parte de mim, prolongamento do meu corpo em seu corpo, peças de um encaixe magistral. E quanto mais ela se abre para mim, mais me fecho nela, mais me movo, sempre e muito e tão mais rápido que posso, na esperança de morrer de prazer e dor, morrer, tão somente. Morro, mas morro tão longe de meus anseios anteriores porque abro os olhos depois da morte. Volto à vida, ao real, à mulher que não é minha pequena, às sensações que não me pertencem. Me desfaço em desespero por ter matado o momento, desfeito a ilusão. Minha amada some e não me resta outra escolha a não ser fazer com que nasça mais uma vez.

Nessa busca por princípio e fim, chego a mais importante conclusão: se você nasce em minha morte, fecharei mais uma vez os olhos. Definitivamente. Darei a você, pequena, a maior prova de meu amor: a imortalidade!