sexta-feira, 18 de maio de 2012

Re-decompor


Sente frio; procura se aquecer em tudo que é externo, alheio, que não lhe pertence, mesmo naquilo que acha que é seu por direito – mas nunca será. Essa busca incessante por preenchimento das lacunas mais profundas, das fendas mais estreitas da existência de um ser, essa busca por completude. Ah, caminho desgastante...

Subi dolorosamente as escadas até o sétimo andar. O vento gelado da rua paralisara minhas pernas e qualquer gota de prudência que tentasse se instalar em minha mente. Cada degrau acima costurava em linhas frágeis as fantasias dissolutas por anos de tentativa e erro que, agora, pareciam absolutamente palpáveis. Uma colcha de devaneios.

***
 
- Quantas colheres de açúcar você pôs nesse chá?
- Sei lá.
- Como assim “sei lá”?
- Não sei, não contei, só pus.
- Por isso ele sempre fica um nojo de doce ou amargo demais.
- Você reclama muito.
- Já disse, duas colheres. Duas.
- E essa mania de medir tudo, pequena?
- Neurose, TOC, sei lá, ache o que quiser.
- Vontade de controlar o que não pode.
- E lá vamos nós para uma análise existencial baseada em quantas colheres de açúcar eu ponho no meu chá.
- E o seu sarcasmo, você mede?
- Imagina... você não quantifica nada, mesmo?

Não recebi resposta. Nem naquele dia, mês ou nos anos seguintes à separação. Até que cheguei em casa e vi um envelope verde junto à porta.

“Se há algo que vale a pena ser medido, com certeza é afeto. Sendo possível quantificá-lo, acho que a unidade de medida ideal é a saudade, pequena. Outros instrumentos, como ciúme ou felicidade, são dramáticos em demasia, passionais e dependentes de presença física... a saudade é termômetro da ausência. E se o tempo do sentir falta é sempre maior que o do estar acompanhado, é ele que temos de precisar, não acha?”

Considerei por alguns minutos, corri para enfrentar os sete andares.

***

Uma compreensão taciturna me envolveu ao firmar os pés no último – 98º, a conta fora feita outras vezes – degrau. A vontade que me carregava, inquieta e ofegante, à confirmação de uma necessidade recíproca, era, na verdade, aspiração não por ser preenchida, mas por preencher. Já não era questão de receber, mas de dar, de ser a peça que faz o encaixe, o líquido que ocupa uma taça opaca e vazia. Eu queria fazer parte dele, não trazê-lo para que fosse parte de mim. Da mania de medir, finalmente examinei o objeto certo. O oco que nele eu desejava em tempo algum seria completado por um motivo bem simples: era imensurável. Jamais teria uma fonte de calor e, assim sendo, tampouco seria minha própria fonte. Senti frio.