terça-feira, 27 de julho de 2010

Sobre o ideal.

Ah, você sabe que não era pra ser assim. Não, você não sabe. É óbvio que não sabe, já que não existe. Se você existisse saberia bem do que estou falando. Se você existisse, em resumo, eu não estaria dizendo essas palavras jogadas. Talvez eu dissesse, sim, porque em qualquer universo minha mania de dizer coisas aleatórias seria mantida, ah, minha identidade! Entretanto, você logo daria um jeito de me calar, balançando a cabeça de olhos fechados e dizendo "Bobinha, isso só existe nessa sua imaginação fértil. Eu estou aqui e sempre vou estar.". No final, riríamos por horas sem motivo algum, sentados um de costas para o outro, um apoiando o outro. Era bem o que faríamos, né?

Se você existisse, estaríamos agora conversando alguma bobagem. Sim, porque nós só conversaríamos bobagens, salvo exceções de nossas primeiras conversas. Normalmente é assim, o conhecimento se dá aos pouquinhos e sempre intercalado a fatos que acrescentam algo a quem escuta. Começaríamos assim, com assuntos cultos, comentários bem embasados, novidades interessantíssimas. Depois, quando estivéssemos envolvidos num afeto inconcebível, falaríamos só do que não cai nos vestibulares, não sai nas revistas e não é de discussão geral.

Se você existisse, nos veríamos todos os dias. Tudo bem, seria por obrigação escolar, mas o faríamos por puro gosto. Fugiríamos da sala em todos os intervalos para trocar cinco, seis palavras, risinhos, comentar sobre a tolice dos novatos e dos professores de geografia. Claro, porque quem decora o nome de rochas não poderia ser muito são. Ah, sim, não nos esqueceríamos dos recreios - "Recreio é coisa de criança, diga intervalo, bobinha." -, que seriam a melhor parte do dia: não diríamos quase nada, só o necessário, resposta às perguntas dos colegas, às cobranças de animes, mangás e pendrives; os vinte minutos seriam gastos unicamente com o desfrutar de companhias, mãozinhas segurando os ombros um do outro e uma troca de olhares tão sem sentido que faria todo o sentido do mundo.

Nos fins de semana sairíamos com nossos outros mil amigos (mil amigos, mil afazeres, quanta coisa teríamos!), veríamos filmes que ninguém vê, iríamos em shows muito mal frequentados só para apontar aberrações adolescentes, esquecendo que seríamos as maiores aberrações entre todas as outras. Correríamos como idiotas pela rua, apostando corridas sem propósito e sendo frequentemente quase-atropelados. Dividiríamos o lápis, o caderno, o violão, a voz nos duetos, a água suspeita comprada num pseudo-parque que mais pareceria um recanto de abelhas - e passaríamos longe delas, desviando nosso caminho em metros. Antes de encerrar o dia, nos abraçaríamos longa e intensamente. Diríamos talvez a maior bobagem do dia ainda abraçados, simulando um casal feliz em meio a vendedores, velhinhas cansadas e flautas andinas. Até pensaríamos a respeito: "E se fôssemos um casal?". Logo, riríamos abraçados da nossa estupidez. Cada um seguiria seu caminho, feliz por ter a droga de amizade mais maluca e gostosa que poderia existir.

Isso, se você existisse. Não, você não existe, e não pode dizer o quão bobinha sou por me matar de saudade de alguém que nunca existiu. Se desenhos falassem, se paredes falassem, se eu mesma falasse, talvez.

- Tá sozinha?
- Sim, como sempre. :)

Nenhum comentário:

Postar um comentário