segunda-feira, 4 de abril de 2011

E como.

Acordou mal.

Pensou em mudar o cabelo, e mudou. Nada muito drástico, claro, não fazia parte dela qualquer tipo de modificação radical. Um corte aqui, uma cor ali... foi testar nas calçadas. A tão esperada aprovação - ou invisibilidade, um sonho antigo - se desfez em nada. Absolutamente nada. Todos que passavam por ela, pela segurança momentânea que cabelos novos trazem, pela satisfação do contexto em que ela se emergiu, todos continuavam com seus olhos superiores, todos a encaravam como quem analisa um estrangeiro mal acostumado aos hábitos da região. Nem rejeição pôde ser detectada, só mesquinharia mesmo.

Pensou em mudar as roupas, jogar todas as combinações antigas no lixo e se adequar a uma moda mais despojada, como diziam por aí. Ou, quem sabe, aderir a significações alternativas, fazer parte de um grupo que se reconhecesse pelos trajes, se sentindo assim acolhida, sendo o encaixe de algo. Ou, ainda, se sentir bonita e feminina, equação simplificada de todo desejo de mulher. Pesquisou por entre estilos, comprou uma ou outra peça, se imaginou como as lindas garotas que via nas fotos, nas campanhas publicitárias, as que eram assediadas por homens realmente interessantes. Entretanto, toda tentativa era frustrada. Nenhuma roupa ficava bem pro espelho, a listrada aumentava a barriga, a saia curta exibia pernas que não eram de se exibir, os decotes não se preenchiam, o batom vermelho parecia vulgar, os saltos lhe tiravam classe e acrescentavam desastre ao passo.

Pensou em amigos novos. Socializar, ser querida, mudança estética alguma compensaria o prazer de ser requisitada num grupo. Saiu, visitou novos lugares mas não teve uma palavra sequer pra trocar com quem quer que fosse. Era como se a necessidade enrolasse a língua, ensurdecesse, apagasse do cérebro todos os bons assuntos, tirasse do rosto a coragem de um apelo elementar, o olho no olho.

Pensou em cursos, viagens, aprendizado. Nem adiantava, era tudo fogo de palha, perdia a graça facilmente, era abandonado.

Pensou em se matar, maior medo e tabu da família. Não resolveria, falariam disso por um, dois meses, depois se esqueceriam e ela viraria uma memória isolada. Pior, pararia na boca da chatisse religiosa, daquela história de "Ela não tinha o direito de fazer isso, só Deus o tem, ela não pensou nos que gostavam tanto dela?", como se quem pensa em morte se preocupasse com algo além da própria dor. Ela nunca condenava os suicidas, mas lamentava o que eles se tornavam: instrumentos gerais de pena.

As idéias da noite enfim terminaram. Deitada de bruços sobre um travesseiro velho e amarelado, resolveu fechar os olhos e esquecer, fugir dos pensamentos, fugir do mundo, fugir das convenções, dormir. Fugir, fugir era a palavra mais fixa naquela mente. Tão mais fácil ignorar essas questões e fugir. "Amanhã acordarei bem."

Acordou mal.

Um comentário:

  1. Num texto trágico e depressivo, quem ver ou penssa ser apenas uma literatura, nem imagina que já ocorreu algo assim com alguém. Pode acreditar, isso em algum lugar do mundo já aconteceu, e essa historia é bem parecida com a minha.

    Quero esquecer, mas não da, a depressão vem, as mágoas do passado voltam, em qualquer situação me tornava um cara cabisbaixo. Um dia conheci amigos de verdade, amigos que ali estariam por um bom tempo, não sei até quando, mas, enquanto eles existirem eu serei feliz com eles.

    A minha única saída foram os amigos.

    Júlia sou seu fã velho, você tem um futuro brilhante, não desiste dos seus sonhos, não segue sonhos de outros, siga seu caminho!
    (não sei o porque eu escrevi isso, tomara que sirva para alguma coisa). CT

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